quinta-feira, 1 de março de 2018

Lá fora...

"As coisas assim a gente não perde nem abarca. Cabem é no brilho da noite. Aragem do sagrado. Absolutas estrelas".*

Saí lá fora e caminhei lentamente, a esmo. As damas da noite me assediando e me envolvendo. Olhei-me nos olhos e refleti, no espelho de  minha alma, o sentido de tudo em movimento. Na mistura de circunstâncias que é a vida, fui ingênuo, romântico... Talvez dramático também. 

Lentamente, evaporou de minha mente todas as tristezas,  males e frustrações que sombreavam meus dias. Tudo junto, me abandonando. O ar quente da noite, se tornando fresco. Incompreensão se convertendo em compreensão. Cegos enxergando e aleijados correndo felizes pelas ruas. Portas se abriram e, delas, os mortos ressurgiram. Com um grande salto comecei a voar. Enquanto isso, meus cabelos ondulavam sob uma leve brisa e as damas da noite, inquietas, me afagando o coração.

Abri os olhos e virei-me para a janela semiaberta. Um vento suave inundava a madrugada daquele quarto. Virei-me e aguardei novamente o sonho. Não veio...

*João Guimarães Rosa


sexta-feira, 5 de janeiro de 2018

A paz...

Aviões de guerra bombardeavam a cidade.  Alguém me cedeu uma arma que mais parecia um brinquedo quebrado. Tentando descobrir uma forma de maneja-la, enquanto me protegia, eu corria de um lado para o outro, entrando em canais de esgoto e mantendo sob minha mira, todos que encontrava.  Parecia um filme, mas havia certa carga de realismo e um tipo de medo que me movia e ao mesmo tempo me fazia refém do acaso. Viver ou morrer lutando, sem me preocupar com a diferença entre ambos. Em alguns momentos tudo me parecia brincadeira. Daquelas da infância...

Acordei em uma cidade da Bolívia. Da janela eu via parte de uma linda praça em frente à Igreja de São Francisco. Na noite anterior, apesar do frio, estivera ali observando inúmeras pessoas enquanto pensava no Santo de Assis. Quanta bondade e coragem ao mudar a direção de sua existência! Imaginei como deve ser difícil se destacar entre as pessoas simples, tendo como escudo a simplicidade. Ser considerado santo somente por aqueles que se despem da vaidade e da soberba. Os Santos estão sempre muito distantes de nós mesmos, de nossos problemas... De nossa santidade.

Naquelas luzes brilhantes, com trilha sonora de um tráfego barulhento e confuso, me mantive alguns eternos minutos ocupado. Em minha mente, um desejo de compreensão da vida, dos motivos que nos conduzem nessa busca, quase estúpida, sem sabermos o que buscamos, trilhando caminhos que, às vezes, não conhecemos ou escolhemos.

Nas ruas confusas, camelôs preparando suas barracas e expondo seus produtos. Uma desordem organizada e desenvolvida, com o tempo, pela necessidade de espaço para alojar tantos trabalhadores. Mulheres com crianças às costas, empilhando suas mantas e tecidos, ponchos, gorros e instrumentos musicais. Um espetáculo roteirizado no dia a dia da rotina de pessoas simples e encenado nas ruas, em feiras a céu aberto, onde a vida acontece em uma sucessão histórica, alimentando o inconsciente coletivo e dando o sentido e o sustento para a  sobrevivência.

Uma imagem me chamou a atenção... Sentada em uma esquina, uma senhora solitária, mantinha suas mãos no rosto, em atitude de fadiga. Às vezes olhava para um lado e em seguida para o outro. Parecia mirar o mundo como espectadora. E a vida acontecendo. E as pessoas passando e as horas avançando...

Na vidraça, enquanto contemplava essa emanação da existência, eu me via refletido. Meu pensamento perfurando essa imagem que me separava do mundo lá fora. Minha ancestralidade me chamando para a vida em ebulição. Meus compromissos me apressando para um dia de trabalho. Meus sonhos, amores e desejos sobrevoando o meu pensamento. E a respiração arquejante me forçando o peito. E o desejo de saber o que aquela senhora pensava, onde vivia, como vivia, o que buscava... E o reflexo de minha imagem cedendo lugar para uma luz forte, ofuscante. Lá fora um  sol morno inundando o dia. E aviões de guerra bombardeando a cidade enquanto uma luz brilhante, com trilha sonora de um tráfego barulhento e confuso, me mantinha alguns eternos segundos ocupado... Estava em La Paz.

terça-feira, 28 de novembro de 2017

Nós, os outros...


domingo, 26 de novembro de 2017

Dias nublados...

O domingo amanheceu nublado. Lentamente o céu começou a chorar uma chuvinha fresca e mansa. Embalando o romantismo, o sonho, o sossego e a paz. Talvez a dor e a tristeza...

A rua molhada, o carro avançando…

Buscara-o na sexta-feira, depois da meia noite, com muita saudade e desejo de passar algum tempo conversando e olhando para ele… Em princípio, um pouco triste, me deu um abraço diferente. Daqueles que nos consolam quando sentimos saudade de algo que não lembramos, mas sabemos que existe em algum lugar do tempo de nossa nossa alma.

O carro avançando…

Disse-me que uma vida se extinguia e isso o entristecia. Ve-lo assim, também me entristeceu. Tomado por um desejo de ajudá-lo, enquanto dirigia o automóvel na noite, falei que a vida tem que ser bem vivida. Moldada com caráter e bons pensamentos. Que não podíamos simplesmente vê-la passando. Que nossas ações eram importantes, pois não viveríamos eternamente, nesse mundo. Interrompendo seu olhar para o nada, me disse:

- Você sabe o que é vida bem vivida? Sem esperar uma resposta continuou:

- É uma vida que tem história para contar…

Sutilmente sorri em meu pensamento e sugeri que ele criasse suas histórias e as levasse para o futuro.Que as semeasse, transformando-as em eternidade. Que as vidas se extinguiam nesse mundo, mas as histórias se eternizavam na memória dos que ficavam.

Choramingou baixinho e, se recompondo, comentou que tinha sono…

A casa, também saudosa, o recebeu com um olhar de organização, sedenta de um pouco de desarrumação. Sentou-se, olhou-me e disse novamente que tinha sono. Que iria se deitar.
Acompanhei-o até o quarto e, uma vez mais, contemplando-o, apaguei a luz. Dormiu rápido. Não sei se ouviu minhas palavras costumeiras nessa hora.

A manhã amanheceu mais um sábado de alegria. Brincadeiras e risos até tarde da noite.

Mas… O domingo amanheceu nublado. Lentamente o céu começou a chorar uma chuvinha fresca e mansa. Embalando o romantismo, o sonho, o sossego e a paz. Talvez a dor e a tristeza... Uma vida se extinguira.







sexta-feira, 10 de novembro de 2017

Naturalidade...

Naturalidade... Sempre nos referimos a esse termo quando suspeitamos de anormalidade em qualquer setor da vida e buscamos a compreensão ou explicação para aquilo que vislumbramos como algo correto. Quantas vezes dizemos que não achamos algo natural? Mas viver naturalmente nos custa tão caro... Algumas circunstâncias nos confundem e as  dúvidas permanecem sempre as mesmas.

Às vezes recorro aos poetas, escritores e filósofos. Mas suspeito deles também. As palavras escritas são bonitas, pensadas e têm um grande poder de persuasão. Mas são registradas após o sentimento, em um momento de lembranças das experiências vividas in loco ou simplesmente intuídas com certo romantismo. Mesmo contendo muita sabedoria e verdade, elas desconsideram que, ao nascer, nos expomos a toda sorte de possibilidades na vida. Situações em que perder ou ganhar fazem parte de uma engrenagem que pode nos beneficiar da mesma forma. Direta ou indiretamente. Alguns dizem que ganhar é melhor. Concordo e me agrada o pensamento de um sábio positivista brasileiro: “- Eu sempre ganho. Se sou derrotado, eu ganhei a derrota”.

O querer no sentido da posse nos oprime e nos divide, em um mundo onde temos pouca oportunidade para o exercício da liberdade do não ter. Isso seria considerado uma derrota... O dia a dia de nossos valores são vividos à mercê de compromissos e responsabilidades adquiridos por imposição de uma escala comercial, onde, para alcançarmos determinadas coisas, dependemos de outras. Nesse emaranhado, a cada dia mais, escondemos nosso ser.

Temos muita informação, acesso imediato aos acontecimentos do mundo, toda a parafernália considerada necessária para a vida atual, mas a grande soma de possibilidades nunca canaliza o acesso em direção ao conhecimento e crescimento pessoal. Sabemos pouco da cordialidade, da delicadeza... O mundo lá fora avolumou-se e tenta nos consumir. Nossos atos confusos nos incutem certo convencimento da verdade.

Mas nos falta a naturalidade.

Foi deitado, ouvindo os pássaros e o som das águas em uma tarde fresca, tendo ao meu lado um sábio brasileiro, que tentei organizar os desenhos que as nuvens formavam. Antes de nomear cada quadro, por desistência delas, tinha que formular outro raciocínio e me preparar para novas formas. Sentada ao meu lado, a sabedoria sorrindo e contemplando o crepúsculo com serenidade. A alegria simples reinando naquela imensidão. A plenitude invadindo o peito. Entre nuvens, gracejos e compreensão dispersa, lembrei-me de Ricardo Reis, heterônimo de Fernando Pessoa:

“Quer pouco: terás tudo.
 Quer nada: serás livre.
 O mesmo amor que tenham
 Por nós, quer-nos, oprime-nos.”*

*Odes de Ricardo Reis - Fernando Pessoa

domingo, 22 de outubro de 2017

Sonhos graciosos - Encontros

O acaso nos leva para onde quer e como quer... De repente nos deparamos com algo inesperado. Detalhes sutis que nos arrastam para outros pensamentos, que nos conduzem às conclusões sobre a vida que, às vezes difícil, nos remete ao sonho como única saída e possibilidade para aceitar a realidade. Nem sempre como gostaríamos. Apenas aquela possível.

Olhava as luzes de um restaurante em frente, imaginando quantos assuntos e pensamentos diferentes, simultaneamente, tentavam, naquele instante,  se fazer entender. As pessoas gesticulando e falando alto. Somente se ouvia um som indefinido de muitas falas. Na rua, carros passando e contribuindo. Reforçando o som do mundo. O som do mundo experimentado nas grandes cidades. Em minha mesa a fala era mansa, em volume adequado às conversas tranquilas, revigorante por sua natureza espontânea e descompromissada. À minha frente duas luzes suaves iluminando a noite que chegava com o frescor de um hálito que contrariava o calor da tarde. Tudo era inusitado. Obra do acaso. Talvez de um acaso forjado, planejado... Como todos os acasos.

Um chopp suave e gelado acalmava o olhar, tornando-o paciente e lânguido como uma aquarela em um livro de Hermann Hesse. Era uma "Caminhada" que se iniciava. A luz do crepúsculo me fascina. A chamada "fresta entre os dois mundos" me perturba, tornando-me mais calmo e observador. À espreita... Consigo, nesses momentos, enxergar o mundo com mais poesia e romantismo.

Enquanto um garçom solícito, daqueles que cultivam o prazer dos olhares felizes de sua clientela ao mirar os "copos cheios", cuidava com esmero de seu ofício, eu, entre uma conversa e outra, já ofuscado pelas duas luzes à minha frente, atendia a algumas pessoas simples, sedentas de algum dinheiro para matar a fome ou para exercitar a arte do "pedir". Alguns com interpretações impecáveis que os tornava dignos de obter uma pequena ajuda. Outros, péssimos atores, interpretavam a sua realidade. Esses me deixavam consternado, tentando sentir em mim a dor que os movia no dia a dia. Mas eu não podia me render ao sentimento de tristeza. A noite era boa. O acaso cuidava de tudo para que parecesse que as peças ocupavam seu lugar exato nesse tabuleiro de xadrez que é a vida.

Para coroar a noite, duas crianças, muito limpas e bonitas, pequenas ainda, se aproximaram pedindo algo para comer. Havia em suas fisionomias uma aura de dignidade pouco vista por mim em toda a minha vida. Não esmolavam. Eram autênticas. Precisavam comer antes de voltarem para suas casas. Depois de um breve bate papo, escolheram uma mesa e aguardaram a bebida e a comida. O garçom, com solicitude, atendeu-as de acordo com todas as regras de etiqueta assimiladas em escola. Para mim, ele era um verdadeiro acadêmico. Daqueles que transcendem a técnica de escola e incorporam o verdadeiro alheamento às características dos clientes, necessário aos que servem por ofício.

Enquanto observava o copo de chopp à minha frente, evitando as duas luzes que ofuscavam minha visão, fui chamado pelos meninos que agradeciam e se despediam. Perguntei-lhes se iam para casa. Já era tarde. Olharam-me com seriedade, respeito e confirmaram. Fiquei ali algum tempo vendo-os enquanto se afastavam. Do outro lado da rua, fortes vozes e pensamentos tentando se fazer entender. Os poucos carros já tornavam a rua mais silenciosa. Somente as luzes à minha frente continuavam acesas e o hálito suave da noite inundando todo o meu ser.

domingo, 1 de outubro de 2017

Ciranda

Pensei nos chamados “Parques de diversão”, de minha infância. Simples, empoeirados… Mas que me deixavam empolgado e feliz com suas “canoinhas”, principalmente. Cordinhas puxadas em sentido contrário e duas crianças se auxiliando com toda a força dos braços, para alçar grandes voos. Havia também um cheiro de pipoca e uma música que minha memória não quis guardar. Esqueceu. 
Veio-me também à memória, a lembrança do palhaço nos circos. Verdadeiro artista, esse sempre foi o meu ídolo. Ficava sempre curioso para conhecer o rosto por trás da pintura e durante muitos anos alimentei em minha alma infantil a possibilidade de ser como ele. Um dia, junto com meu filho, aventurei-me nessa jornada. Rompi as amarras e encarei o que, depois, entendi ser o melhor momento de minha vida. É que meu companheiro de travessuras acreditava piamente na veracidade desse sonhador e me deu o suporte necessário para a conquista máxima da vida. O desprendimento e a liberdade de ser o que se é naturalmente. Com ele vivi, na pele, todos os heróis que conheci em minha infância. Por um breve instante, pelo menos, viajamos juntos e eu me transportei para aqueles mundos, até então esquecidos em minha memória.  
Agora, enquanto esses pensamentos passeavam pela minha mente eu via pessoas felizes e sorridentes, conversando, comendo e bebendo. Enquanto eu mirava uma belíssima “Floresta Negra”, à minha frente, com breves olhadelas para trás, acompanhava um lindo por do sol, provando, para mim, ser ele o mais belo horizonte. Suas cores estavam vivas e saltitantes, refletidas no correr das crianças. Sua vivacidade emanava dos gritos dessas crianças, me lembrando a música dos parques, das missas e… Das Cirandas na escola. Mas o tempo não para. Agora eu somente podia olhar. 
Para trás, para o presente e tentar vislumbrar o futuro que não existe.
Enquanto sentia o prazer de uma cerveja invadindo meu olhar, me tornando leve o coração e mansa a voz, me levando ao breve instante em que entendemos o sentido de nossa vida, eu revivia, animado, histórias da infância com outros que, em volta da mesa, completavam o meu pensamento. Deixavam que, com minhas histórias, eu me tornasse um grande pistoleiro ou mocinho no cinema, com um grande chapéu e dois coldres abaixo da cintura. Preparado para o duelo triunfal “ao por do sol”. 
Lembrei-me de um episódio em que, emboscado por meus inimigos, ao receber um tiro de espoleta caí, com uma queda cinematográfica, em um grande reservatório de água que havia em minha casa. Fui salvo por duas mãos que me levantaram pelas orelhas, manchando assim, minha reputação de grande herói do oeste. Algo esquecido um dia após essa tragédia.
Como em tudo há urgência, saí do hipnotismo para o parabéns. Afinal as crianças são ansiosas nas festas e temos que entende-las. Elas não precisam do sonho. Suas vidas são “o sonho” e, algumas vezes, em breves lampejos, conseguimos sonhar junto com elas. Cantamos, abraçamos e pude ver a “Floresta Negra” sendo desmatada naquela mesa alegre, juntamente com brigadeiros e outras guloseimas. 
Naquela altura, eu já não entendia o sentido da vida. Aquele instante já passara e cedera seu lugar à sonolência. Boa, por sinal, porque me instigava a lutar contra ela. Me sentindo, em pensamento, um pouco ridículo, percebi que, para ficar bem, eu teria que me envolver em novas aventuras, salvar os fracos e oprimidos e tentar resgatar o palhaço, o menino simples e sonhador que brincava nas canoinhas dos parques. Toma-lo das mãos do mundo que insistia em provar que a razão se sobrepõe à imaginação. 
Nessa Ciranda, lembrei-me da frase, acho que de Dostóievski: “Há momentos, e você chega a esses momentos, em que, de repente, o tempo para e acontece a eternidade.

terça-feira, 26 de setembro de 2017

Respostas...

Assistindo a um filme*, resolvi escrever sobre uma frase intrigante, do protagonista: “Só há quatro perguntas de valor na vida”.

O que é sagrado?

Embora vivamos presos a conceitos e preceitos, principalmente religiosos, transmitidos por nossos antepassados, quando nos abrimos para a vida aceitando os desafios com um olhar imparcial e desprovido de preconceito, nos deparamos com nosso Eu verdadeiro. Onde reside a verdade, segundo Santo Agostinho. Não a que mostramos no dia a dia para aqueles que convivem conosco, mas aquela que trazemos guardada no íntimo, onde convivem certezas e inseguranças. Onde nem sempre somos como aparentamos ou desejamos aparentar. Nessa investida, pouco a pouco, abandonamos o nosso eu periférico, aquele que é conhecido e esperado por todos. Esse sentimento puro nos conduz ao respeito profundo e natural por todos os seres e nos enleva e eleva  ao estado de consciência alterada. Tornando nossa jornada nesse mundo, um caminho de aprendizado. Não sabemos para onde vamos e desconhecemos o princípio e o fim de tudo. Mas sabemos que vale a pena, quando seguimos rumo à purificação, guiados pelo Eu verdadeiro. Onde residem nossas qualidades superiores: a tolerância, paciência e...

Do que é feito o espírito?

Tudo que não conhecemos, embora nossa intuição reconheça, nos distancia da explicação racional. Mas como não crer que há algo que nos move, nos inspira e nos faz ter força, crer em sonhos e persistir em buscas, inicialmente incríveis? Possuímos o dom de consagrar tudo aquilo que rega nossa alma com positividade e alimentamos nosso espírito com o fruto desse dom. Essa, a essência que constitui toda nossa vontade e crença em perseguir e tentar realizar nossos propósitos. Partindo daquilo que concebemos como bom, mesmo que, às vezes, esse sentimento não corresponda  ao consenso comum. Possuímos o livre arbítrio da forma de alimentar nosso espírito. Criamos, com nossas atitudes, um alimento para a alma, que pode ser bom ou não, mesmo atendendo aos nossos desejos e crenças. Esse entendimento nos levará à necessidade de evolução que se consolida na compreensão incognoscível de tudo que nos rodeia. Mesmo inacessível ao nosso entendimento racional, isso nos fortalece e nos leva à percepção de um todo. Morada da paz, leveza e do...

Pelo que vale a pena viver?

Conhecer o mundo com suas riquezas e diversidades já seria um motivo para considerarmos-nos privilegiados. Mas a natureza, em sua sabedoria, quis nos dar mais, mesmo correndo o risco de que nós nos perdêssemos em meio a tantas possibilidades e nos esquecêssemos que fazemos parte desse planeta admirável. Onde, com harmonia e boa fé, poderemos solucionar todos os problemas que nós mesmos criamos. Para que compreendêssemos o sentido de tudo em nossas vidas, fomos conduzidos à responsabilidade. Com o ser, com o ter e com a base de tudo: a convivência em sociedade. Tudo isso nos envolvendo e nos levando à busca de realização pessoal em todos os sentidos. Moldando o nosso caráter com base nas experiências prévias da natureza humana, história e evolução do ser, e no que recebemos ou deixamos de receber de nossos pais, avós... Esse conjunto de experiências culmina, ou deveria culminar, na gratidão, carinho com tudo que nos rodeia, mesmo em tempos de sombras, clareando os caminhos da alma, do coração e nos levando ao...

E pelo que vale a pena morrer?

O que seria nossa vida, se não houvesse a morte, o desconhecido? Momento de unificação e igualdade. Todos os seres nascem e morrem. Independente de saúde, paz, condição social... Todos os aparatos vão por terra no último suspiro. Restando somente o que somos ou o que fomos. O balanço final de nossos atos nesse mundo. A constatação de que tudo que nos ensinou algo, moldando nosso caráter e visão humanitária de viajantes de um mesmo vagão, valeu a pena. A configuração da verdade de cada um. Universo: um em diversos. Seguimos em paz quando vivemos  e cuidamos do...

A resposta para todas essas perguntas é a mesma... Segundo o protagonista do filme: amor. Esse sentimento tão banalizado e confundido com religião e não com religiosidade. Com o profano e não com o espiritual. Só existe uma resposta para qualquer pergunta. As mães sempre souberam disso. Os pais sabem disso. Os filhos, saberão disso. Curiosamente, todas as respostas poderiam ser dadas para a última pergunta. O final dos trilhos, a curva da estrada.

* Don Juan DeMarco (1994) - dirigido por Jeremy Leven






sexta-feira, 22 de setembro de 2017

Quantas vidas...

Após assistir “Balzac e a costureirinha chinesa”, pesquisando sobre o filme me deparei com essa frase atribuída a Honoré de Balzac: “É tão absurdo dizer que um homem não pode amar a mesma mulher toda a vida, quanto dizer que um violinista precisa de diversos violinos para tocar a mesma música.” 
Não sei o contexto em que foi escrita, mas, machismo à parte (ambos podem amar, ou tentar, por toda a vida), gostei da frase. 
Pensei nas várias formas de amor e na possibilidade de uma vida bem vivida, seguindo fielmente nossos ideais amparados pelo respeito a todos que encontramos, sem a necessidade de muitos argumentos corroborando nossas atitudes. Alguns dando muitas voltas e outros caminhando em linha reta. Porém, todos com o mesmo objetivo… 
Nesse eu quero crer: viver em paz experimentando cada momento, saboreando as coisas boas e aceitando as dificuldades com a cabeça erguida. Com honestidade, resignação e determinação. Respeito e espontaneidade exercitados no dia a dia, nos libertando de armaduras que nos protegem mas também tolhem nossos movimentos. 
É possível crer em algo que nos faz bem, por toda a vida. Não precisamos de várias vidas para crer no amor.

quarta-feira, 20 de setembro de 2017

Um dia de canção

Parte A

Chegar à sede da UBC no Rio de Janeiro nessa última sexta-feira foi interessante. Triste, talvez. Logo na recepção, pude ver um banner que anunciava a morte de Fernando Brant. A recepcionista, Soninha, com olhos tristes me saudou com um beijo suave e um abraço indagador. Daqueles que nos questionam a falta do protagonista. Eu, coadjuvante, diante de um semblante de choro, decidi que iria subir para ver algumas pessoas. No elevador, era como se desvendasse diante de mim uma nova casa em um silêncio total que dominava minha mente, entremeada por pequenos cumprimentos aos funcionários que cruzavam comigo que, com olhares suaves, assentindo com a cabeça, confirmavam entender minha solidão. Foi no oitavo andar, após o sorriso comedido e tímido das meninas que me receberam, que me dei conta do vazio que vivemos quando pessoas que amamos e respeitamos, se ausentam de nossas vidas. Marisa Gandelman com os olhos marejados, veio me receber e num abraço longo dissemos tudo que nunca poderíamos transmitir por meio de palavras, sobre o ocorrido. Começamos então uma conversa informal sobre música e abordamos alguns assuntos de trabalho... Mas o tom da fala era cuidadoso. Está faltando o protagonista...
Com a chegada do amigo Manno Góes, após longo abraço, voltamos às lembranças entremeadas pela urgência do trabalho e continuação de um sonho que foi sonhado, plantado e cultivado há 73 anos: a luta em favor dos direitos de autor. A União Brasileira de Compositores. Nosso próximo compromisso seria a Missa para o Fernando, na Igreja de Santa Rita, próxima à UBC. Lá fora o dia nublado chorava uma chuvinha fina e nostálgica...

Parte B

Após a missa, amigos e artistas abraçavam os familiares. Aliás, todos se abraçavam. Ao som de "Canção da América", seguimos para um almoço com os familiares e pessoas bem próximas do Fernando, em um restaurante de que ele gostava muito, situado nas imediações. Já na rua, ao lado de Leise, esposa e companheira de longos anos de Fernando, experimentei algo que já suspeitava há muito tempo.

Vivemos amparados por estruturas que nos tornam seguros ou inseguros, melhores ou piores como pessoas.

A família Brant, ali representada por Ana Luísa, Bebel e Diógenes, todos com personalidade muito definida, me mostravam claramente o tom do dia a dia regido com maestria pela mãe, mulher de fibra e personalidade forte. Uma verdadeira amiga. Eu que levo a vida envolvida por um romantismo constante, pensando em Fernando Brant com seu estilo otimista, amigo, franco e ao mesmo tempo gentil, não resisti ao desejo de participar desse momento de tanta lucidez, mesmo que envolvido por uma aura de saudosismo e tristeza que povoavam nossos assuntos. Bebi e degustei cada lembrança, cada história contada pela Leise... Algumas me envolvendo. E os laços, em minha mente, crescendo. Me levando, cada vez para mais perto deles.
Aqui fora o dia nublado chorava uma chuvinha fina e nostálgica...

Parte  A1

Foi no restaurante que aconteceu a catarse da amizade espalhada como um vírus por Fernando e sua família. O respeito, carinho e admiração exalavam ao meu lado com Aloysio Reis contando histórias e experiências com o Fernando, enquanto Manno Góes fazia um lindo contraponto melódico em alusão à sua experiência com o grande poeta. Sydney Sanches e sua esposa Leila Pose Sanches, em outra ponta, conduziam nossos assuntos com bom humor e leveza. Daquelas que somente os verdadeiramente amigos são capazes. Eu, estranhamente feliz por aquele momento, trocava pequenas frases e fazia coro com Marisa, Leise, Diógenes e sua namorada Mariana. Bebel e Ana Luisa permaneciam fiéis à harmonia. Essa música embalou toda a tarde e teve a pretensão de se tornar um grande tema com variações. Nessa hora, quem regia era Fernando Brant.
Mas o tempo não para. Os relógios, os aeroportos, são rigorosos...

Lá fora o dia nublado chorava uma chuva forte e saudosa, escondendo o crepúsculo que não suportou sua dor... Parecia que nesse dia não haveria a "Fresta entre os dois mundos". Fernando se fora.

CODA

Já na rua, em meio a muita chuva, movimento de automóveis e muitos transeuntes, tentamos, exaustivamente, conseguir um táxi que nos conduzisse ao aeroporto. Aos meus olhos e para o meu coração, o Rio de Janeiro estava banhado em lágrimas, refletindo meu sentimento. As poças d'água na rua me diziam para seguir com cuidado pela vida. Sabendo onde pisar... Cuidando dos amigos e pessoas à minha volta. Cuidando do sonho. Com muito custo, cheguei ao aeroporto. Depois de muitas provações, entre elas voos cancelados e mudança para outro aeroporto, já na madrugada de sábado, cheguei à minha casa. Cansado e pensativo, depois de um banho e algumas cervejas, recapitulei o dia e, já deitado, pensei como a vida é boa e segue uma lógica própria. Tentei ordenar meus pensamentos, mas a vida não se desenvolve baseada em nossos preceitos. Enquanto pensava uma forma de organizar o mundo, cerraram-se as cortinas dos meus olhos desencadeando uma longa Fermata de sonhos...
Lá fora, um dia renascia me convidando para seguir em frente, dando assim o sentido de eternidade: continuar tudo que nos foi dado gratuitamente pela vida, pelos amigos... Viva Fernando Brant!!