quinta-feira, 31 de dezembro de 2020

Esperança

Muitos partiram. Pessoas próximas que amamos e pessoas que, talvez, jamais encontrássemos. Sabemos que cada ser tem um papel a cumprir nesse mundo e que a melhor forma de desempenha-lo continua sendo a solidariedade e o respeito a todos aqueles com quem cruzamos.  

A maior comemoração na chegada do novo ano tem de ser a fé na vida e nos seres de boa vontade que, juntos de nós, seguem por esse caminho...

 

Em Santa Efigênia (bairro de Belo Horizonte), um morador de rua, talvez chamado de louco, me assusta no sinal ao gritar com todas as forças: “Mas Ele disse para amarmos uns aos outros...”. Uma chuvinha fina me faz fechar o vidro do carro... Sinal verde. 

 

Sim, Ele disse. Paz em 2021!

sexta-feira, 18 de dezembro de 2020

Reflexões sobre o riso, o sorriso e a dor*

Após tanta massificação e influência de ideias herdadas do século passado e em atividade nos tempos atuais, não toleramos mais a velha postura chamada autenticidade. Talvez essa “qualidade” seja a maior mentira e ilusão do ser humano nos últimos tempos. Poderíamos dizer, ironicamente, que a autenticidade congela o sentimento, as reações espontâneas e tenta eleger regras para posicionamentos que justifiquem as atitudes - ou a falta delas. Alguns dizem que é melhor rir daquilo que fizemos e nos arrependemos. Ou: “é melhor rir do que chorar – viver a vida com leveza”. Sempre penso no motivo do riso em nossa vida. O choro seria o lado avesso do riso? Não sei. Às vezes acho os dois tão semelhantes... Um deles regado por lágrimas.

Historicamente há tanta polêmica sobre o riso, que isso forçou o sorriso a separar-se da graça. Antes, uma namorada em sinal de aceitação, após um flerte, sorria - ria sem ruído -. O bebê sorri. Demonstra compreensão dos desejos alheios de contentamento. A menina esboça um sorriso ao perceber os primeiros passos do amor. Isso a alegra e valoriza. A ironia, por outro lado, se manifesta no sorriso de desprezo ou decepção... Talvez até de surpresa... O que a faz se confundir.

O criminoso sorri com amargura nos olhos, diante de sua condenação. O perdedor, triste consigo mesmo, ri de sua fraqueza e derrota. Os pais esboçam um sorriso emoldurado pelo carinho diante das primeiras palavras do filho. O filho ri da falta de jeito dos pais frente à modernidade. 

Quase sempre, os homens riem muito e as mulheres sorriem mais. O sorriso pode ser portador do amor ou da dor, da leveza ou da preocupação. Lembro-me que alguém disse que “Todas as mulheres guardam algo de indestrutível e o trabalho dos homens é evitar que elas o percebam”. Quase todos riem da tentativa de evitar a percepção dessa qualidade que cria, nos homens, dúvidas e fraquezas traduzidas por machismo, complexo de superioridade, tentativas de subjugar ou menosprezar... O conflito e insegurança que isso traz, cria feridas e deixa sequelas que jamais nos abandonam. Samura Koichi diz: “Quem disse que o tempo cura todas as feridas? Seria melhor dizer que o tempo cura tudo, exceto as feridas”. Outro me diz: “Mas a história só é amarga para os que a querem doce...”. Outro ainda: “... um cão esperava seu dono todos os dias na estação. Um dia o dono morreu e o cão não soube. Continuou a esperá-lo a vida toda”. Meu coração, diante da tentativa de explicar o mundo por meio de palavras... Sorri. Com minhas limitações, eu somente consigo rir. 

Disso eu posso sorrir: após preparar, cuidadosamente um jantar (sou um gourmet bem razoável), meu filho, olhando-me com um sorriso, também cuidadoso, no rosto, me disse: Pai... Está ruim demais. Eu, claro, respeitei e pedi que ele fosse sempre sincero. Por ironia do destino, ele disse: Mas só a carne! 

Infelizmente, o prato principal era a carne... Sorri. 

Viajando recentemente, parei em um posto à beira da estrada. Pedi um pastel de carne ao atendente e, cansado e com fome, após a primeira mordida, percebi que não havia carne. O atendente, olhando-me fixamente, ao perceber meu sentimento de mau humor, com um sorriso amarelo estampado no rosto, aproximou-se e disse – Não tem carne? Fica tranquilo, chefe. Na segunda mordida “É batata!!”. Esperemos. Sorria muito e, se possível, evite chorar... 

*O texto foi baseado nos filmes “Sans soleil – La Jetée”, de Chris Marker. Recomendo.