Após tanta massificação e influência de ideias herdadas do
século passado e em atividade nos tempos atuais, não toleramos mais a velha postura
chamada autenticidade. Talvez essa “qualidade” seja a maior mentira e ilusão do
ser humano nos últimos tempos. Poderíamos dizer, ironicamente, que a autenticidade
congela o sentimento, as reações espontâneas e tenta eleger regras para
posicionamentos que justifiquem as atitudes - ou a falta delas. Alguns dizem
que é melhor rir daquilo que fizemos e nos arrependemos. Ou: “é melhor rir do
que chorar – viver a vida com leveza”. Sempre penso no motivo do riso em nossa
vida. O choro seria o lado avesso do riso? Não sei. Às vezes acho os dois tão
semelhantes... Um deles regado por lágrimas.
Historicamente há tanta polêmica sobre o riso, que isso forçou
o sorriso a separar-se da graça. Antes, uma namorada em sinal de aceitação, após
um flerte, sorria - ria sem ruído -. O bebê sorri. Demonstra compreensão dos
desejos alheios de contentamento. A menina esboça um sorriso ao perceber os
primeiros passos do amor. Isso a alegra e valoriza. A ironia, por outro lado,
se manifesta no sorriso de desprezo ou decepção... Talvez até de surpresa... O
que a faz se confundir.
O criminoso sorri com amargura nos olhos, diante de sua
condenação. O perdedor, triste consigo mesmo, ri de sua fraqueza e derrota. Os
pais esboçam um sorriso emoldurado pelo carinho diante das primeiras palavras
do filho. O filho ri da falta de jeito dos pais frente à modernidade.
Quase sempre, os homens riem muito e as mulheres sorriem
mais. O sorriso pode ser portador do amor ou da dor, da leveza ou da
preocupação. Lembro-me que alguém disse que “Todas as mulheres guardam algo de
indestrutível e o trabalho dos homens é evitar que elas o percebam”. Quase
todos riem da tentativa de evitar a percepção dessa qualidade que cria, nos
homens, dúvidas e fraquezas traduzidas por machismo, complexo de superioridade,
tentativas de subjugar ou menosprezar... O conflito e insegurança que isso
traz, cria feridas e deixa sequelas que jamais nos abandonam. Samura Koichi diz:
“Quem disse que o tempo cura todas as feridas? Seria melhor dizer que o tempo
cura tudo, exceto as feridas”. Outro me diz: “Mas a história só é amarga para
os que a querem doce...”. Outro ainda: “... um cão esperava seu dono todos os
dias na estação. Um dia o dono morreu e o cão não soube. Continuou a esperá-lo
a vida toda”. Meu coração, diante da tentativa de explicar o mundo por meio de
palavras... Sorri. Com minhas limitações, eu somente consigo rir.
Disso eu posso sorrir: após preparar, cuidadosamente um
jantar (sou um gourmet bem razoável), meu filho, olhando-me com um sorriso, também
cuidadoso, no rosto, me disse: Pai... Está ruim demais. Eu, claro, respeitei e
pedi que ele fosse sempre sincero. Por ironia do destino, ele disse: Mas só a
carne!
Infelizmente, o prato principal era a carne... Sorri.
Viajando recentemente, parei em um posto à beira da estrada.
Pedi um pastel de carne ao atendente e, cansado e com fome, após a primeira
mordida, percebi que não havia carne. O atendente, olhando-me fixamente, ao
perceber meu sentimento de mau humor, com um sorriso amarelo estampado no
rosto, aproximou-se e disse – Não tem carne? Fica tranquilo, chefe. Na segunda
mordida “É batata!!”. Esperemos. Sorria muito e, se possível, evite chorar...
*O texto foi baseado
nos filmes “Sans soleil – La Jetée”, de Chris Marker. Recomendo.