quarta-feira, 22 de dezembro de 2021

O galo ganhou!!

Uma chuvinha fria me molhando os cabelos e me lembrando da infância destemida, no embate com os acontecimentos desnaturados. Quando a condição que o menino impunha naqueles quintais (em minha cabeça, florestas), era chamada de “necessidade de crescer e tomar juízo”… Não gosto muito dos dias atuais. São previsíveis. Quando nos levam à improvisação, nos forçam à presunção de estarmos fazendo algo excepcional. Com isso, corremos o risco de nos tornar um avatar, como diríamos em informática.

Agora, nessa chuvinha, caminhando por uma “floresta” que, hoje, chamo de quintal, tento decifrar os sons dos bichos e da natureza, associando-os à nossa fala. (Não é coisa de maluco não. Apenas loucura divertida e controlada). 

Sobre uma base orquestral formada pelo vento, grilos e pássaros, ouço, repentinamente, um galo, provavelmente idoso, provocador, dizendo com sua voz rouca, porém forte: 

-        O galo ganhou! - Um garnizé retruca:

-        Eu tô sofrendo!!

Após a segunda provocação, escuto a intervenção de um familiar do garnizé que diz em alto e bom som:

-        Sacana!!!

E a discussão continua enquanto busco outras palavras de meu vocabulário nessa “viagem” idiomática, nesse vasto mundo que nos rodeia e que, depois de “tomar muito juízo”, levei muitos anos para reaprender. 

sábado, 7 de agosto de 2021

Dia frio

Um homem só. Uma rua deserta e fria. Sentado, enroscado em seu próprio corpo. Taciturno.*
Um insano e equivocado arrepio me fazendo mudar a direção. No caminho, levando impressões. Distância e valentia permitindo o olhar direto. Posição de vênia mirando o centro da terra… Indisposição. Ânsia de vômito. Um trago, água. Talvez não o veja mais… Só um homem.
Me esperam. Elas me esperam… Lá fora, triste. Aqui, quietude e esperança. Venceremos…

*Experiências de rua.

quarta-feira, 7 de abril de 2021

Fragmentos...

“E o garoto viu uma rosa no meio do gramado brotando com toda a sua inocência. Tudo lhe foi revelado...”.*

Alguns associam a imagem que surgiu no céu durante a explosão da bomba atômica em Hiroshima e Nagasaki, com uma rosa. Pena o desabrochar fatal, levando almas, sonhos e extinguindo vidas de crianças, adultos e idosos... No filme “Rapsódia em agosto” (Japão -1991) de Akira Kurosawa, a simbologia se apresenta como um olho vermelho, evocando, provavelmente, uma questão que envolve o aspecto existencial da cultura desse país. 

A cruel mutilação da essência dos seres - vida, buscas, cultura e crenças – e a destruição do que chamamos cotidiano, a morte de nossa realidade, jamais poderemos admitir. O avançar da tradição, da pureza nas relações com a natureza e dos seres que nos rodeiam têm que ser preservados.


Na tentativa de acordos de paz e compreensão entre os povos, encontraremos, em uma fileira de formigas indo em direção a uma rosa escarlate, a construção das boas e verdadeiras relações humanas, quando percebemos que é possível um entendimento sem esquecer o passado, mas mudando o rumo da história e reacendendo a chama da construção do presente, fortalecendo a crença no futuro.

Kane, a protagonista de “Rapsódia em agosto” é uma personagem leve, simples e, como todos aqueles que viveram uma catástrofe, sábia. Podemos perder tudo que nos cerca, desde que sobreviva aquilo que povoa o mais íntimo de nosso ser, que dá sentido à nossa luta em busca da solução para nossa angústia existencial... Assistam. Simples e profundo.

P.S. Sempre que volto a esse filme, impossível não me lembrar de “Cidadão Kane” de Orson Welles. A busca da sobreposição pelo poder e imposição, enquanto vivemos a decadência do espírito e da convivência. O poder perturba. A essência sobrevive: Rosebud. Segundo o diretor, uma “...história de fracasso”.

 

terça-feira, 9 de março de 2021

Plano Geral - Entrevista com José Tavares de Barros

Profundo conhecedor da linguagem cinematográfica, o Professor José Tavares de Barros fala com sensibilidade, de forma espontânea, de sua visão sobre o cinema atual. Com sabedoria ele nos conduz à compreensão da importância da emoção e abordagem do mistério da vida e espiritualidade no cinema, para a realização de um bom filme.

GV – Com características próprias de estilo e circunstâncias de época, marcaram a história do cinema, movimentos como a Nouvelle Vague, o Neo-realismo italiano, o Cinema Novo… Existe, no cinema brasileiro atual, alguma característica particular, que vá marcar esta época?


JTB – Não entendo que existam atualmente tendências específicas no cinema brasileiro, como ocorreu com a Nouvelle Vague e com o próprio Cinema Novo. Desde a retomada, em 1990, há uma diversidade heterogênea de temáticas, enfoques e estilos, além de reincidente relação ambígua com o público. Há categorias evidentes, como a do cinema comercial – nem sempre com êxito – e um cinema independente com temáticas importantes e experimentação de linguagem, como os recentes “Céu de Suely” e “Cinema, aspirina e urubus”. Não percebo, na conjuntura atual, um modo brasileiro do fazer cinematográfico, como ocorre com os cinemas americano e francês. 


GV – Como o senhor vê os filmes lançados nos últimos anos, do ponto de vista de roteiro? 


JTB – Tenho tido oportunidade, nos últimos anos, de participar de comissões para outorga de fundos de produção, com base em roteiros. Do ponto de vista técnico, considero excelente o nível alcançado por algumas dessas propostas, como ocorreu no último concurso da Petrobrás, do qual participei. Claro que, no fim das contas, um bom roteiro depende também de uma boa idéia e de um argumento desenvolvido com criatividade. 


GV – Vários filmes chegam até nós tão bem “embalados” e bem acabados tecnicamente, que dificultam uma apreciação embasada somente em conceitos artísticos, tamanho o condicionamento através da mídia, que os precedem. Assistindo a um filme, o que o leva a concluir ser ele de boa qualidade, em todos os aspectos? 


JTB – A embalagem, realmente, é um setor amplificado por certos produtores capitalizados, com inegável influência sobre a receptividade do público. É o caso da filmagem de sucessos literários e mesmo da televisão (“A Grande Família”, p. ex.), com os chamados atores globais (“Se eu fosse você”). No meu entender, supostas as condições técnicas mínimas de imagem e som, caracterizam um bom filme uma superposição de fatores: história engajada do ponto de vista psicológico e social, desenvolvimento criativo da narrativa, personagens densos e coerentes, elaboração de metáforas, elipses e outras figuras de estilo. Numa palavra, identificação orgânica do cineasta-autor com seu relato cinematográfico. 


GV – Como o senhor vê a questão Qualidade/Orçamento na produção cinematográfica brasileira atual? 


JTB – O cinema brasileiro é quase totalmente subsidiado por órgãos governamentais, como sabemos. Nos cerca de 300 projetos que examinei recentemente, encontrei muitas distorções entre o orçamento proposto e as características de produção deste ou daquele filme. Há uma tendência dos produtores a supervalorizarem os orçamentos, considerando as dificuldades de captação dos recursos. Nesses casos, há enorme diversidade de critérios para determinação de valores para mão de obra, equipamentos, locações, etc.


GV – O cinema mineiro, que teve fortes representantes em seus primórdios, continua tendo estilo próprio e propostas arrojadas que o diferenciam do cinema nacional? 


JTB – O cinema mineiro nunca conseguiu impor-se nacionalmente como centro de produção. Nunca chegou a fazer escola ou marcar tendências, como a chanchada carioca, o ciclo da Vera Cruz e, muito mais importantes, o Cinema Novo e o Cinema Marginal. Ocorreram em Minas ciclos de importância cultural, mas de mínima repercussão comercial, como a fase de Humberto Mauro e o núcleo de produção com recursos da Embrafilme, nos anos 1980. Com a tecnologia digital, está ocorrendo uma renovação importante da produção mineira, com destaque para o cinema experimental e de animação. Mas, como acontece em todo o Brasil, o acesso do público constitui ainda um problema sem solução aparente. 


GV – Emoção versus Técnica – O que o impressiona mais em um filme? 

JTB – No meu ponto de vista, antes de tudo, cinema é emoção. Emoção tem a ver com inspiração, criatividade, amor pelo cinema, identificação do espectador com o cineasta, abordagem do mistério da vida e da espiritualidade. Ingmar Bergman, com seus memoráveis primeiros planos, contribuiu para aprofundar o conhecimento do ser humano. Nesse sentido, um bom filme pode ser feito com mínimos recursos técnicos, como em certos filmes iranianos da atualidade. Na minha formação, o Neo-realismo italiano foi a escola que me ensinou a ver a realidade de outro modo, filtrada pelas imagens e pela montagem cinematográficas. 


GV – Cite quatro filmes que considera fundamentais na formação daqueles que desejam se engendrar no estudo do cinema. 


JTB – Difícil resumir mais de 100 anos em apenas 4 indicações. Indico os que mais me marcaram como espectador, talvez por motivos bem diferentes: NO TEMPO DAS DILIGÊNCIAS (Stagecoach), de John Ford. LADRÕES DE BICICLETA (Ladri di biciclette), de Vittorio De Sica. OTTO E MEZZO, de Federico Fellini. VIDAS SECAS, de Nelson Pereira dos Santos. Quatro filme em P/B, as cores ficam por conta da nossa imaginação. 

segunda-feira, 8 de março de 2021

Mulher

Eu poderia escrever muitas palavras bonitas, suaves e poéticas. Mas o medo da redundância me impede. As datas me confundem. Criam marcas, quase sempre sem associa-las às atitudes. Meu desejo de paz, respeito, delicadeza e realizações na vida é dirigido a todas as mulheres que conheço: minha mãe, irmã, sobrinhas, cunhadas, amigas... Todas as mulheres que passaram por minha vida e também para aquelas que não conheci. Que seguem o mesmo curso nessa trajetória e luta pela igualdade humana. Como uma senhora que vi, hoje, em uma rua de Belo Horizonte. Com sulcos profundos causados pelas rugas em seu rosto e olhar apático, afogado no alcoolismo, escondendo sua idade, sua história, suas vaidades e sonhos.

Que a vida seja melhor para todas as mulheres. Vamos comemorar, lutar e exigir direitos. A vida é bonita e pode ser florida!

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2021

Chick Corea - A partida...

Ontem assisti novamente ao documentário “Francisco Sánchez”. Nele, o Francisco, que na verdade conhecemos como Paco de Lucía, se encontra em um aeroporto, com Chick Corea. Depois, já no camarim, eles conversam (pouco) e combinam o encontro no palco. 

Fiquei pensando nessa coisa de aeroporto, camarim, palco, interpretação e performance. Todos são locais ou situações transitórias, onde somos levados a criar rotas, metas, estabelecer caminhos e, ao mesmo tempo, aceitar o inesperado.

Assim eu vejo a vida. Imprevisível. Principalmente a de músico. Todos vão tecendo e desenvolvendo o argumento de suas músicas e combinando novos encontros e sonhos que talvez não se concretizem. Tudo conduzido pela criatividade e poder de improvisar, ressignificar. A grande viagem, com reserva garantida ao nascer, mesmo não sabendo qual o destino, ou se há um destino, fazemos sozinhos. 

Ao saber da morte de Chick Corea, repassei alguns álbuns. Principalmente os que mais gosto: Akoustic Band e Three Quartets. Fiquei pensando no fenômeno que é o “ajuntar notas” e transformá-las em melodias, harmonias e ritmo. De onde vêm. Quantos anos de estudo, disciplina, organização e, para alguns, evolução pessoal. E a vida passando... 

Enquanto a vida passa eu penso no quanto foi bom poder ouvir e estudar Chick Corea, Bill Evans, Oscar Peterson, Luiz Eça... A partida é triste, mas as notas “ajuntadas” por eles ficam. E nos ensinam que há um lugar onde teremos que buscá-las para cultivar e regar nosso desejo de fazer música. Basta nos entregarmos para, talvez, encontrarmos essa trilha.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2021

Primavera, Verão, Outono, Inverno... E Primavera

Há alguns anos, ao lado de Fernando Brant, comecei a visitar os videoclubes que começavam a fechar suas portas com a grande mudança do produto físico (DVD e Blue Ray) para as plataformas de streaming. Comprávamos todos os filmes raros.

Filmes para serem sentidos, experimentados...

As estações do ano formam um ciclo muito instigante na vida. Eu espero ansiosamente a primavera, minha preferida. Sofro um pouco no calor do verão, suporto bem o outono e, com esperança, passo pelo inverno. Em todas essas fases, vou sentido as mudanças, às vezes difíceis, que na verdade são etapas de crescimento, de adaptação e readaptação. Aprendemos a conviver, ao longo da vida, com os desejos não realizados, as dificuldades, amores frustrados e a busca do perdão junto com a capacidade de perdoar. Inclusive, a nós mesmos. Como as estações do ano, os períodos do dia e outros movimentos cíclicos da vida, vamos nos aprimorando na difícil arte de viver. Mas o mundo não para. Tudo segue mudando, nos conduzindo, nos testando e nos levando ao aprimoramento. Assim é o filme “Primavera, Verão, Outono, Inverno... E Primavera”. Se tiverem a sorte de encontrar, não tenham dúvidas. Assistam. É um lindo filme dirigido por Kim Ki-duk, morto em dezembro de 2020, aos 59 anos, vítima de Covid-19.