quarta-feira, 5 de agosto de 2020

Imprevisíveis encontros...

Em um dia ensolarado, enquanto nos acomodávamos em um restaurante para um almoço após uma longa manhã de reuniões, ele, subitamente, me disse: “- Por que não fazemos música juntos?” Olhei-o, pensei e, após uma eternidade de dois segundos, disse que ia procurar alguns temas que mantinha guardados. Mentira. Não havia nenhum tema composto. O espaço fictício que eles ocupavam, cedeu lugar à urgência de ter algo para enviar para ele. Teria dias de muito trabalho pela frente...

 

A noite era boa, quente. Como a maioria das noites no Rio de Janeiro. Em volta da mesa, pessoas que acabara de conhecer me causavam um bem-estar silencioso, desembaraçado e, mineiramente, observador. Brindes, risos e novas histórias invadindo o pensamento enquanto inquietas cervejas se despediam de sua origem, acariciadas por minhas mãos, saciando minha boca ansiosa de seu frescor. Me levando à compreensão da beleza do encontro e dos desígnios traçados pelas escolhas que fiz quando, aos sete anos de idade, adormeci para a realidade do dia a dia e despertei em um sonho de magia e de sons.

 

Saí daquele transe pela urgência da madrugada que já mostrava sua solidão nas ruas desertas. Também pelo silêncio daqueles que saborearam a noite e queriam voltar logo para suas casas.  Lembro-me de ouvir um “boa noite e até breve”, em coro. Seguiram... Eu, andando pelas ruas do Leblon, buscava um táxi e sonhava com “violas enluaradas” enquanto ouvia um mar ruidoso que me advertia pelo avançado da hora...

 

Agora, enquanto pedíamos o almoço, à minha frente, Paulo Sérgio Valle experimentava, com propriedade de enólogo, o vinho escolhido. Muita coisa havia mudado desde a noite no Leblon. Já o conhecia melhor e sentia o nascimento de uma amizade regada pela admiração e respeito por tudo que ele representa na música e pela pessoa de bem que é em todas as circunstâncias. Especial. Após o recente convite para compor música em parceria, eu imaginava as melodias que eu deveria criar rapidamente, para corroborar a “mentira” contada a poucos minutos...

 

Paulo Sérgio Valle completa, hoje, 80 anos. Exemplo de erudição, grande atleta e pessoa de franqueza confortadora. Sempre dizendo o que pensa com naturalidade, fortalecendo nossa confiança. Daquela longínqua noite no Leblon, ficou a lembrança da imprevisibilidade da vida. Amizade e confiança sendo cultivadas a partir de um encontro inusitado. Alimentado por longos e pausados debates sobre música, livros, vida... Temas que não acabam mais. Curiosamente uma das primeiras músicas que surgiram de nossa parceria, talvez exprima, com seu título, o meu sentimento sobre tudo o que a vida deseja nos dar e que nós nem sempre nos abrimos para receber.  “Imprevisível”* é um tema que nasceu do respiro do pensamento, como ave que se liberta de uma gaiola e voa livre, sem destino. Rumo ao que há de mais eterno na vida: dedicação, amizade, disposição para novas conquistas e a constante busca por tempos melhores. A compreensão do que somos pelo que fazemos, acreditamos e vivemos. 


Uma honra conhecê-lo. Vida longa, saúde e paz para o amigo!!!

 

*Imprevisível foi uma das primeiras músicas que fizemos juntos.

 

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