sábado, 22 de abril de 2017

A solidão da existência em Hermann Hesse

A evolução pessoal e espiritual por meio da experiência estética vivenciada  na arte é constante na obra de Hermann Hesse, escritor alemão, nascido em Calw e naturalizado suíço.
Desde suas primeiras obras até a maturidade plena, quando produziu seus grandes romances, seus personagens, quase sempre espelhos de sua realidade, encontram na música e na pintura, principalmente, o impulso criador como mola propulsora para o enfrentamento da realidade e contingências do dia a dia. Em um paralelo entre a vida vivida intensamente, em meio às suas complexidades, a evolução rumo ao conhecimento por meio da experiência diária e o embate com a fragilidade do ser, confrontando com as regras de comportamento e luta pela sobrevivência, vemos o nascer de um outro componente: o homem enquanto individuo pensante, com suas necessidades, qualidades e desejos de auto afirmação, na solidão de sua existência.

Hesse, como Nietzche, considerava a música uma arte feminina, que se organiza por meio de harmonia e sons puros, alheia à representação de objetos em contraponto com a pintura, uma arte masculina, de representação e realismo.

Gertrud, romance de 1910, considerado musical, aborda com lirismo e suavidade a possibilidade da transformação, pela criação, das diferenças e deformidades humanas, em arte sublime. Toda a transparência melancólica de seu personagem, frente ao desgaste imposto por sua condição física, nos conduz ao vislumbre da possibilidade de trilhar um caminho iluminado pela arte, rumo à redenção da vida. Gertrud, mesmo não sendo a personagem central, traduz o ideal da estética artística, num misto de beleza e desejo, não apenas físico, mas também de impulso à criação.
Com inúmeras interpretações possíveis, o romance contém, em sua temática, como em outros livros do autor, um diálogo e busca de convivência entre o intelecto e o empirismo, o sonho e a realidade, o sagrado e o profano.
Hermann Hesse compõe e constrói uma atmosfera melancólica enriquecida pelos questionamentos do confronto entre a arte e a vida, que antecipariam os anos difíceis que impulsionariam a destruição,  presentes na origem do terceiro Reich.

Rosshald (1914), nome do romance e da propriedade onde vive o pintor Johann Veraguth, mostra o processo de redescobrimento da personalidade e a busca de identidade do protagonista. O personagem reúne em si as várias facetas do sentimento humano: um casamento em crise, o amor incondicional por um filho e os conflitos com um outro filho mais velho. Momentos diferentes da vida, embalados pelo mesmo sentimento, em suas variadas formas objetivas e subjetivas. Em meio a todos esses sentimentos, a pintura serve como um suporte para a aceitação e continuação da vida, onde o personagem consegue mergulhar para transpor o que, no dia a dia, surge como intransponível. Rosshalde torna-se uma prisão onde Johann Veraguth vive uma vida sem sentido. É por meio da visita de um amigo, o personagem Otto Burkhardt que nos deparamos novamente, com o questionamento da vida, quando o pintor faz uma análise de sua história pregressa em busca de sua identidade, tendo a arte como clarificadora de tudo o que ele poderia ser. O auto conhecimento o levará a soltar as amarras que o prendem a Rosshalde, elipse dos conceitos impostos pelo sistema, com suas travas criadas no ambiente de formação. Filosofia, intelecto e criação amparando o pensamento que nos conduz à dificuldade de viver um dia por vez, frente às intempéries e desilusões mas que, no enlaçar das pontas, nos levarão às realizações plenas, com o domínio de nossas funções no meio em que vivemos. Hermann Hesse nos possibilita infiltrar na forma de olhar do artista, nos conduzindo, assim, ao encontro de nós mesmos, quando, paralelamente à leitura, repassamos nossos valores, sonhos e desejos frustrados, devido à inércia do comodismo, adquirida pelo exercício de uma pseudo-segurança que nos conduz aos valores e sistema de regras em que vivemos.

Escrito durante uma crise existencial, como as que precederam suas importantes obras, em 1927 é lançado aquele que seria considerado um de seus mais importantes romances:  “O Lobo da estepe”.
Hermann Hesse confronta nesse romance a solidão e o desregramento humano com seu lado essencialmente puro. Harry Haller, personagem central que se autodenomina “Lobo das estepes” curiosamente tem em seu nome as iniciais do autor, fato que nos leva a crer na, sempre presente,  duplicidade de seus personagens, onde se confundem a ficção e a realidade. Harry Haller é um homem hipocondríaco, triste, com forte tendência para o sofrimento, vivendo em uma sociedade dividida entre a decadência europeia humanista e a crescente evolução tecnológica norte americana. Vive essa duplicidade com incapacidade de se encontrar ou se posicionar escolhendo uma ou outra. Em um encontro casual com Hermínia,  nome feminino de Hermann, ela lhe apresenta um mundo novo, onde, repassando ou se confrontando com seus ídolos, Harry terá que aprender a rir de si mesmo. Encontrar em si a ironia superior perante a vida.

A arte e a realidade expostas por seus ídolos Mozart e Goethe, o levarão ao encontro da harmonia entre o homem e o lobo existentes em si mesmo. Uma visão bem humorada de si e do mundo que o cerca, com suas relatividades, dúvidas e diferentes facetas. A reação a essa obra de Hermann Hesse teve uma receptividade controversa. Para alguns, considerada uma obra inútil. Para outros, um marco do preexistencialismo. Os movimentos hippies, principalmente, viram em seu caráter alucinatório, um modelo de obra que acolhia o movimento.
Em sua essência, “O lobo da estepe” é uma obra que aborda a vida urbana como algo que desintegra a cultura e os aspectos psicológicos do ser, retratando uma cultura, aos olhos do artista, desprovida de senso de humor e leveza. Solidão, aspereza e falta de cuidado no trato com as pessoas, tornam-se alternativas comuns para suportarmos o fardo imposto, por nós mesmos, na condução de nossas vidas.

Fruto de sua maturidade como um escritor que questionou conceitos, condutas políticas, visitou e conheceu culturas diferentes, surge em 1943, “O jogo das contas de vidro”.
Embora seu argumento seja simples, a obra possui grande complexidade, ao abordar um sistema de regras para a condução da vida, idealizada a partir da criação de uma ordem em que se prevaleça o cultivo do espírito e o empenho na construção de um novo mundo, frente ao cansaço causado pela decadência cultural. Conhecida como a Ordem de Castália, nome que deriva da província pedagógica de Castália, ideada por Goethe, ali vivem seus membros em condição quase monástica, sem aceitar os frutos e êxitos mundanos. Todos tendo como objetivo a busca de união de todas as artes e ciências. Como diz o próprio autor: “O jogo das contas de vidro é um jogo baseado em todos os conteúdos e valores da cultura com os quais se joga da mesma maneira como um pintor jogava, em épocas de florescimento, com as cores da sua paleta”. Para se chegar ao domínio de todas as regras, eram necessários anos de dedicação e rigor na  formatação de costumes, além do desenvolvimento de uma conduta e disciplina voltada para a busca da intelectualidade em convívio com a simplicidade nos hábitos.

Seu protagonista Joseph Knecht, em português José Servo, ingressa na ordem de Castália e se sobressai, ao longo dos anos, chegando ao posto máximo de “Magister Ludi”. Com o tempo, na medida em que avança em seus conhecimentos, Joseph Knecht começa uma série de questionamentos acerca da proposta de Castália, de criar um novo mundo. Percebe que esse mundo também está sujeito às mudanças, intempéries e problemas concernentes à natureza humana, como o viver, o morrer e, até mesmo, a solidão das ideias. De seu alto posto, vislumbra outros valores e abandona Castália, partindo em busca de outras experiências. Afastado do mundo fora de Castália e desacostumado do embate do dia a dia pela sobrevivência, ele consegue um cargo de professor para o filho de um amigo, agora político. Pouco tempo após, morre afogado em uma lagoa nas montanhas. Em Hermann Hesse é frequente a morte de seus personagens na água, representando um mergulho no inconsciente. Thomas Mann, com quem Hesse se correspondeu durante muitos anos, diz em uma carta, a respeito de “O jogo das contas de vidro”: “A perplexidade figura também entre os sentimentos com que li a obra; perplexidade ante uma sensação de proximidade e parentesco que, apesar de não ser a primeira vez que me impressiona, o fez agora de forma especialmente precisa e objetiva”. Nessa frase ele faz alusão ao romance que escrevia naquela ocasião, intitulado “Doutor Faustus”, que tratava da vida de um compositor alemão vivendo a solidão da busca de novas linguagens na criação.

Hermann Hesse recebeu, em 1946, o Prêmio Nobel de Literatura. Morreu em sua casa em Montagnola, na Suiça, em 1962, aos 85 anos. Segundo sua esposa Ninon Dolbin, caminhando pelo bosque na manhã anterior, Hesse teria dito, ao puxar um ramo podre de uma acácia: “Este ainda aguenta”. Daí surgiu o poema: “Duma vida demasiado longa, Duma morte demasiado longa, cansada, Ainda um Verão, ainda um inverno”. Morreu na manhã seguinte, enquanto dormia.
Em Hesse convivem a arte e a fantasia com a lógica e o rigor intelectual. Apolo e Dionísio lado a lado, se confundindo no mover da vida. A instabilidade do ser, suas incertezas e a transformação das dores e dúvidas em realizações e transcendência do espírito. O sagrado e o profano.

São várias as leituras possíveis nas obras citadas. Em todas elas, a solidão do ser se confronta com a vida cotidiana, na busca de solução para os problemas que atormentam seus personagens. Embora nos dois primeiros romances, o autor coloque seus personagens em enfrentamento com a dura realidade, percebe-se em ambos, o apaziguamento das incertezas e medos, por meio da criatividade na arte. Em contraponto com essa solução para as amarguras do ser, no romance “O lobo da estepe”, a única saída possível para a vida, aconselhada por Mozart e Goethe é brincar com todos os problemas e medos, sem buscar uma superação racional. Aceitá-los com bom humor sem se levar muito a sério, convertendo-os em experiência vital que ilumine o ser e dê brilho à vida. Já no livro “O jogo das contas de vidro”, o personagem José Servo encontra a si mesmo, a partir do abandono de teses conceituais sobre a vida, de sua substituição pelo viver as coisas simples tendo como suporte o tempo. A vida regida pelo tempo que nos resta para viver; que consome o pensamento humano e nos prepara para o mergulho final no lago da entrega e da impotência frente à certeza da morte.

Na procura do entendimento da vida e de sua posição no mundo, com suas variantes e riqueza de possibilidades, dissera o autor anos antes: “Solidão é independência, com ela eu sempre sonhara e a obtivera afinal, após tantos anos”.

quarta-feira, 19 de abril de 2017

Cinema

Voar tornou-se símbolo de liberdade. Da busca do desprendimento das amarras da vida. Mas é na solidão de uma cela, morada de um condenado à prisão perpétua, que um filhote de pardal encontrará o cuidado necessário para crescer longe de seu ninho, longe de sua espécie, dando início a um período de paz interior, justamente quando o detento se envolve e se preocupa com o dia a dia dessa ave solitária. Isso dá sequência a uma história fantástica sobre o cuidado e a leveza, necessários para lidar com pássaros tão frágeis e delicados.  Sentimentos que contagiam o coração. Ali, onde o termo “liberdade” não produz os efeitos práticos, resta somente a libertação da alma. A aceitação das limitações da vida vivida em cativeiro. Justamente com pássaros. Estou falando do filme “Birdman of Alcatraz”.*

Não sabemos o que nos espera após a morte... Moldamos, ao longo da vida, o que pensamos ser o melhor e, baseados nos preceitos familiares e na convivência social, fazemos opções assumindo as consequências possibilitadas pelo exercício do livre arbítrio.
Imaginem se após a morte, fôssemos recebidos por um grupo incumbido de criar o filme de um momento de nossa vida, que nos tenha marcado profundamente! Essa lembrança seria o que levaríamos para a eternidade. Somente uma lembrança... Nesse momento, qual seria a lembrança de um acontecimento importante em sua trajetória nesse mundo, que seria o filme de sua vida para a eternidade? Estou falando do filme “Depois da vida”.**

Andando por uma rua deserta, à noite, observava a solidão dos edifícios, com suas poucas luzes acesas, imaginando os acontecimentos  simultâneos que contribuem para o que chamamos de viver. Alegrias, tristezas, realizações, dores... Tudo acontecendo simultaneamente e girando a roda que movimenta o mundo. Repentinamente, gritos atravessam a noite interrompendo a monotonia e o romantismo de uma chuvinha fina. Duas pessoas discutem com ferocidade. Embaixo de uma marquise, uma velha senhora de aproximadamente trinta e poucos anos, vociferando com palavrões e muita ira, exige que um rapaz saia de seu espaço argumentando que, à noite, aquele lugar é a sua casa. Ela exige que respeitem o seu lar de todas as noites. A briga é muito assustadora e a senhora sai vencedora. O invasor desiste. Sai em busca de outro lugar.

Estou falando, lamentavelmente, do filme real da vida. O espectador era eu mesmo. Descia a Rua Gávea no bairro Jardim América, em Belo Horizonte, após um dia de gravações. Quisera ser, naquela hora, o herói de um filme que salva os pássaros de dentro de sua morada eterna nesse mundo. Teria uma bela lembrança para o filme de minha vida...

*John Frankenheimer
**Hirokazu Kore-eda



sábado, 11 de março de 2017

Todas as manhãs do mundo

Música... Teremos que fechar os ouvidos para tudo que nos propõem. Teremos que abrir nosso coração para tudo que desconhecemos. Quem sabe nos encontremos na entrega, no voo maior da busca? Por que ser músico? Por que compor ou estudar um instrumento? Quando podemos considerar o que fazemos, como música verdadeira?
Muitos artistas já se perguntaram ou se depararam com esse questionamento, que definiria sua permanência, ou não, nesse difícil caminho.

Baseado no livro de Pascal Quignard - Tous les matines du monde -  “Todas as manhãs do mundo” (1991), de Alain Corneau, é um filme com um roteiro sutil, com uma aura bucólica e um romantismo comedido na aparência, embora intenso na essência. Caracterizando um conceito e estilo de amor trágico que, mesmo com a utilização de elipses, não transparece nenhuma preocupação com as entrelinhas. Permitindo que os personagens vivenciem a lentidão e a solidão do tempo interior.

Sainte-Colombe, um grande músico afastado da corte, vive com suas duas filhas em uma propriedade rural. Ambas aprenderam, com o pai, os conceitos estéticos da música e a arte de tocar  a Viola da gamba*. Vivendo de forma austera, passando várias horas em uma cabana construída para ser seu reduto, com o objetivo de se dedicar à música e à memória de sua esposa, ele se torna uma pessoa amarga, silenciosa e solitária. Fechado em si mesmo com seus fantasmas, levando ao extremo a sua condição solitária.

Marin Marais é um jovem  e talentoso estudante de música que busca em Monsieur Sainte-Colombe, os ensinamentos para se aprofundar no estudo da Viola da Gamba.
Hesitante, o mestre o aceita como aluno mas, pouco tempo depois, o expulsa de sua propriedade. Insensível aos soluços de sua filha, o mestre lhe diz: “O que é um instrumento? Não é a música ...Ouça os soluços que a pena arranca de minha filha... Estão mais perto da música que suas escalas! Vá-se daqui pra sempre. Você é um bom malabarista. Os pratos voam sobre sua cabeça e você não perde o equilíbrio. Mas é um pobre músico.”

Embora já estivesse envolvido com Madeleine,  uma das filhas de St. Colombe, Marais passa a viver na corte, rejeitando-a mesmo após saber de sua gravidez, construindo uma carreira de muito sucesso e se tornando um  importante compositor de sua época. A criança nasce morta, colocando Madeleine em grave estado de saúde. Fragilizada pelo abandono, manifestando seu desejo de ouvir a peça que Marin Marais havia composto para ela, por meio de sua irmã, o compositor lhe faz uma última visita. Após a execução de “La Rêveuse” e a partida de Marais, ela se suicida.

Como a música se alimenta da busca do conhecimento e aprofundamento no ser, mesmo com todo o sucesso na corte, Marais, aos poucos, sente que aquela semente lançada com hostilidade por seu mestre, criara raízes em seu pensamento e se tornara fértil em seus anseios de músico. Todas as noites ele retorna à propriedade de Sainte-Colombe e, escondido, escuta sua música. Talvez tocado pela culpa – Madeleine havia se suicidado depois de abandonada por ele – percebemos em sua atitude uma similaridade da percepção do sofrimento e da perda com o desejo de busca de novos caminhos para a música que professava. Tendo como essência a incompletude, o desejo de conhecimento do indizível...

A partir desse ponto, inicia-se uma nova relação entre mestre e discípulo, em um diálogo revelador, que aprofunda os conceitos filosóficos que doutrinam a vida do músico. O que é a música?  O que nos leva a ser músico e estudar um instrumento? Experiências de vida que dialogam com a subjetividade do ser e do fazer música. Aquilo que não existe, que nos vem em leves pinceladas do tempo em nossa forma de conduzir e ordenar os sons, o silêncio...

O filme, tecnicamente muito bem produzindo, conta com uma linda fotografia de Yves Angelo e belíssimas interpretações de Guillaume Depardieu (morto prematuramente aos 37 anos por pneumonia) como o jovem Marin Marais e Anne Brochet, como Madeleine. Como narrador VoiceOver e no papel de Marin Marais em sua fase adulta, encontramos um brilhante Gerard Depardieu que contracena magistralmente com  Jean-Pierre Marielle, como Sainte Colombe, um destaque à parte. Dois grandes atores conduzindo toda a trama, envolvidos pela beleza musical de temas compostos por Marin Marais e St. Colombe, entre outros, além de música original composta e interpretada impecavelmente por Jordi Savall, o que eleva e intensifica o realismo emocional da ação.

Para os músicos, talvez seja um pouco sofrível a imitação dos movimentos na interpretação dos temas, pela falta de sincronia e lógica dos movimentos melódicos, detalhe que merecia um estudo mais aprofundado. Mas, em hipótese alguma, esse deslize compromete um dos grandes filmes sobre música. Que nos eleva e nos enleva. Que nos conduz à reflexão máxima da vida, como dito em determinado momento do desenvolvimento da ação: "Todas as manhãs do mundo não retornam".

*Viola da gamba – instrumento de cordas tocado com arco e geralmente dotado de sete (viola francesa) ou seis cordas (viola inglesa).

Gênero: Drama
Direção: Alain Corneau
Roteiro: Alain Corneau, Pascal Quignard
Elenco: Anne Brochet, Carole Richert, Caroline Sihol, Gérard Depardieu, Guillaume Depardieu, Jean-Claude Dreyfus, Jean-Marie Poirier, Jean-Pierre Marielle, Michel Bouquet, Myriam Boyer, Nadège Teron, Philippe Duclos, Violaine Lacroix, Yves Gasc, Yves Gourvil, Yves Lambrecht
Produção: Jean-Louis Livi
Fotografia: Yves Angelo
https://youtu.be/pzJrIuSiQiQ

sexta-feira, 6 de janeiro de 2017

A árvore dos tamancos

Crianças desempenhando funções de adultos e integradas, com suas famílias, à dura realidade do dia a dia. Vivendo e aceitando a dureza da vida pobre, com resignação e simplicidade. Inovando e renovando, todos os dias, a alegria e o poder criativo nas relações, no lazer e nas brincadeiras. Exercitando o amor em breves flertes respeitosos, com a beleza e pureza dos seres e da natureza. Mas sujeitos às injustiças sociais...

“A Árvore dos Tamancos” é considerado um dos grandes trabalhos do diretor Ermanno Olmi (Bérgamo – Itália - 1931). Seguindo os moldes do Neo Realismo Italiano, trabalhando com camponeses reais sem nenhuma experiência como atores, o diretor nos mostra a dura realidade de um agrupamento de famílias que vivem na região da Lombardía, no final do século XIX. Vivendo sob um regime de meeiros, onde a partilha de tudo que se colhe é feita em uma proporção de dois para um, cabendo aos trabalhadores a menor parte.

Individualmente, os personagens têm objetivos diversos na vida. O que os une é a luta pela subsistência, onde todos buscam uma saída para os seus problemas, dividindo os trabalhos, as angústias e se apegando à religiosidade e crença em Deus, como única saída para os seus infortúnios. Talvez um contrapeso para as limitações sociais impostas pelo sistema, buscando uma compensação divina para as desgraças e dissabores que os assolam na vida diária.

O tema central trata da história de um casal que, aconselhado pelo pároco, envia seu filho, criança notadamente inteligente, à escola. Isso o obriga a caminhar alguns quilômetros diários para estudar. Em uma dessas idas e vindas, o menino vê o seu calçado partido e, com muita dificuldade e lentidão consegue retornar à sua casa. Diante do acontecimento e da falta de recursos para comprar outro calçado, seu pai resolve cortar, às escondidas, uma árvore para, à noite, durante as orações da família, confeccionar um novo sapato para seu filho. As consequências dessa atitude, no desfecho do filme, nos conduzem à triste percepção de um mundo cruel, movido pelo poder e alheio às necessidades humanas.

Mesmo seguindo uma linha documental, o diretor conduz toda a trama com lirismo, esmero e abordagem poética. Sem evitar a crueza dos costumes e da condição dos camponeses pobres, ele nos leva à percepção da solidariedade humana em meio à pobreza. Da criatividade nas relações pessoais e do lazer em acordo com as condições sociais, onde todos cultivam, juntos, o bom humor e preservam o respeito e a amizade.

No final, a triste constatação de que nos tempos atuais vivemos em um mundo mais evoluído, porém com a persistência dos mesmo problemas: a dificuldade do acesso ao conhecimento e o domínio capitalista massificando e induzindo a maioria da população, com interesses alheios às necessidades do povo. Que em pleno século XXI ainda se permite a fome, a pobreza e a falta de educação básica. Que se promove a violência e se permite que os mecanismos tecnológicos, que poderiam tornar a vida de todos os seres melhor, pouco a pouco se convertem em grandes e comprometedores problemas que favorecerão, em curto prazo, o desemprego em nível mundial.
Premiado em vários países, “A árvore dos tamancos” obteve a Palma de ouro (melhor filme), no Festival de Cannes 1978, além do Prêmio Especial do Júri Ecumênico.

A ÁRVORE DOS TAMANCOS
(L´Albero Degli Zoccoli, Itália / França, 1978).
Direção, Roteiro e Fotografia: Ermanno Olmi.
Elenco: Luigi Ornaghi, Francesca Moriggi, Omar, Brignoli, Antonio Ferrari, Teresa Bresciani, Giuseppe Brignoli.
Drama / História.
186 minutos.
https://youtu.be/juvT6B_c0VA