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O galo ganhou!!

Uma chuvinha fria me molhando os cabelos e me lembrando da infância destemida, no embate com os acontecimentos desnaturados. Quando a condição que o menino impunha naqueles quintais (em minha cabeça, florestas), era chamada de “necessidade de crescer e tomar juízo”… Não gosto muito dos dias atuais. São previsíveis. Quando nos levam à improvisação, nos forçam à presunção de estarmos fazendo algo excepcional. Com isso, corremos o risco de nos tornar um avatar, como diríamos em informática. Agora, nessa chuvinha, caminhando por uma “floresta” que, hoje, chamo de quintal, tento decifrar os sons dos bichos e da natureza, associando-os à nossa fala. (Não é coisa de maluco não. Apenas loucura divertida e controlada).  Sobre uma base orquestral formada pelo vento, grilos e pássaros, ouço, repentinamente, um galo, provavelmente idoso, provocador, dizendo com sua voz rouca, porém forte:  -          O galo ganhou! - Um garnizé retruca: -          Eu tô sofrendo!! Após a segunda provocação, escuto

Dia frio

Um homem só. Uma rua deserta e fria. Sentado, enroscado em seu próprio corpo. Taciturno.* Um insano e equivocado arrepio me fazendo mudar a direção. No caminho, levando impressões. Distância e valentia permitindo o olhar direto. Posição de vênia mirando o centro da terra… Indisposição. Ânsia de vômito. Um trago, água. Talvez não o veja mais… Só um homem. Me esperam. Elas me esperam… Lá fora, triste. Aqui, quietude e esperança. Venceremos… *Experiências de rua.

Fragmentos...

“E o garoto viu uma rosa no meio do gramado brotando com toda a sua inocência. Tudo lhe foi revelado...”.* Alguns associam a imagem que surgiu no céu durante a explosão da bomba atômica em Hiroshima e Nagasaki, com uma rosa. Pena o desabrochar fatal, levando almas, sonhos e extinguindo vidas de crianças, adultos e idosos... No filme “Rapsódia em agosto” (Japão -1991) de Akira Kurosawa, a simbologia se apresenta como um olho vermelho, evocando, provavelmente, uma questão que envolve o aspecto existencial da cultura desse país.  A cruel mutilação da essência dos seres - vida, buscas, cultura e crenças – e a destruição do que chamamos cotidiano, a morte de nossa realidade, jamais poderemos admitir. O avançar da tradição, da pureza nas relações com a natureza e dos seres que nos rodeiam têm que ser preservados. Na tentativa de acordos de paz e compreensão entre os povos, encontraremos, em uma fileira de formigas indo em direção a uma rosa escarlate, a construção das boas e verdadeiras rela

Plano Geral - Entrevista com José Tavares de Barros

Profundo conhecedor da linguagem cinematográfica, o Professor José Tavares de Barros fala com sensibilidade, de forma espontânea, de sua visão sobre o cinema atual. Com sabedoria ele nos conduz à compreensão da importância da emoção e abordagem do mistério da vida e espiritualidade no cinema, para a realização de um bom filme. GV – Com características próprias de estilo e circunstâncias de época, marcaram a história do cinema, movimentos como a Nouvelle Vague, o Neo-realismo italiano, o Cinema Novo… Existe, no cinema brasileiro atual, alguma característica particular, que vá marcar esta época? JTB – Não entendo que existam atualmente tendências específicas no cinema brasileiro, como ocorreu com a Nouvelle Vague e com o próprio Cinema Novo. Desde a retomada, em 1990, há uma diversidade heterogênea de temáticas, enfoques e estilos, além de reincidente relação ambígua com o público. Há categorias evidentes, como a do cinema comercial – nem sempre com êxito – e um cinema independente com t

Mulher

Eu poderia escrever muitas palavras bonitas, suaves e poéticas. Mas o medo da redundância me impede.   As datas me confundem. Criam marcas, quase sempre sem associa-las às atitudes.  Meu desejo de paz, respeito, delicadeza e realizações na vida é dirigido a todas as mulheres que conheço: minha mãe, irmã, sobrinhas, cunhadas, amigas... Todas as mulheres que passaram por minha vida e também para aquelas que não conheci. Que seguem o mesmo curso nessa trajetória e luta pela igualdade humana. Como uma senhora que vi, hoje, em uma rua de Belo Horizonte. Com sulcos profundos causados pelas rugas em seu rosto e olhar apático, afogado no alcoolismo, escondendo sua idade, sua história, suas vaidades e sonhos. Que a vida seja melhor para todas as mulheres. Vamos comemorar, lutar e exigir direitos. A vida é bonita e pode ser florida!

Chick Corea - A partida...

Ontem assisti novamente ao documentário “Francisco Sánchez”. Nele, o Francisco, que na verdade conhecemos como Paco de Lucía, se encontra em um aeroporto, com Chick Corea. Depois, já no camarim, eles conversam (pouco) e combinam o encontro no palco.   Fiquei pensando nessa coisa de aeroporto, camarim, palco, interpretação e performance. Todos são locais ou situações transitórias, onde somos levados a criar rotas, metas, estabelecer caminhos e, ao mesmo tempo, aceitar o inesperado. Assim eu vejo a vida. Imprevisível. Principalmente a de músico. Todos vão tecendo e desenvolvendo o argumento de suas músicas e combinando novos encontros e sonhos que talvez não se concretizem. Tudo conduzido pela criatividade e poder de improvisar, ressignificar. A grande viagem, com reserva garantida ao nascer, mesmo não sabendo qual o destino, ou se há um destino, fazemos sozinhos.  Ao saber da morte de Chick Corea, repassei alguns álbuns. Principalmente os que mais gosto: Akoustic Band e Three Quartets.

Primavera, Verão, Outono, Inverno... E Primavera

Há alguns anos, ao lado de Fernando Brant, comecei a visitar os videoclubes que começavam a fechar suas portas com a grande mudança do produto físico (DVD e Blue Ray) para as plataformas de streaming. Comprávamos todos os filmes raros. Filmes para serem sentidos, experimentados... As estações do ano formam um ciclo muito instigante na vida. Eu espero ansiosamente a primavera, minha preferida. Sofro um pouco no calor do verão, suporto bem o outono e, com esperança, passo pelo inverno. Em todas essas fases, vou sentido as mudanças, às vezes difíceis, que na verdade são etapas de crescimento, de adaptação e readaptação. Aprendemos a conviver, ao longo da vida, com os desejos não realizados, as dificuldades, amores frustrados e a busca do perdão junto com a capacidade de perdoar. Inclusive, a nós mesmos. Como as estações do ano, os períodos do dia e outros movimentos cíclicos da vida, vamos nos aprimorando na difícil arte de viver. Mas o mundo não para. Tudo segu

Esperança

Muitos partiram. Pessoas próximas que amamos e pessoas que, talvez, jamais encontrássemos. Sabemos que cada ser tem um papel a cumprir nesse mundo e que a melhor forma de desempenha-lo continua sendo a solidariedade e o respeito a todos aqueles com quem cruzamos.     A maior comemoração na chegada do novo ano tem de ser a fé na vida e nos seres de boa vontade que, juntos de nós, seguem por esse caminho...   Em Santa Efigênia (bairro de Belo Horizonte), um morador de rua, talvez chamado de louco, me assusta no sinal ao gritar com todas as forças: “Mas Ele disse para amarmos uns aos outros...”. Uma chuvinha fina me faz fechar o vidro do carro... Sinal verde.    Sim, Ele disse. Paz em 2021!

Reflexões sobre o riso, o sorriso e a dor*

Após tanta massificação e influência de ideias herdadas do século passado e em atividade nos tempos atuais, não toleramos mais a velha postura chamada autenticidade. Talvez essa “qualidade” seja a maior mentira e ilusão do ser humano nos últimos tempos. Poderíamos dizer, ironicamente, que a autenticidade congela o sentimento, as reações espontâneas e tenta eleger regras para posicionamentos que justifiquem as atitudes - ou a falta delas. Alguns dizem que é melhor rir daquilo que fizemos e nos arrependemos. Ou: “é melhor rir do que chorar – viver a vida com leveza”. Sempre penso no motivo do riso em nossa vida. O choro seria o lado avesso do riso? Não sei. Às vezes acho os dois tão semelhantes... Um deles regado por lágrimas. Historicamente há tanta polêmica sobre o riso, que isso forçou o sorriso a separar-se da graça. Antes, uma namorada em sinal de aceitação, após um flerte, sorria - ria sem ruído -. O bebê sorri. Demonstra compreensão dos desejos alheios de contentamento. A menina e

O palco

Existe nele uma solidão amparada por várias pessoas que nos observam com olhares atentos, envolvidos por uma aura de prazer. Existe nele uma cumplicidade que transcende os limites da amizade e do querer que tudo dê certo. No palco e na plateia, todos buscam a realização plena.  Uma troca de energia... Ali, quando há um grande acerto, os olhares aprovadores são solidários e estampados em sorrisos ternos. Quando ocorrem pequenos deslizes, os mesmos olhares sorriem esperançosos, nos levando à crença de que é possível melhorar sempre. Que existem erros quando buscamos ser melhores. Nos momentos em que a energia da música extravasa o fazer, explodindo em grandes feitos musicais, uma onda de alegria e até mesmo de riso invade o palco e a plateia, levando-nos a uma catarse coletiva de purificação. Quando a emoção atinge seu extremo, em notas e acordes, e nos desperta da vida para o sonho, irrompe um turbilhão de aplausos. Aí, meus amigos, resta apenas crer que o sonho e a realidade se mistura